Livro Escritos de Artistas, Escritos em Arte Vol. I
Adriana Linhares, Ana Emerich, Benedito Ferreira, Clara Machado, Eduardo Mariz, Gabriela Tarouco, Gilson Plano, Hernani Guimarães, Illian Narayama, Ingrid Lemos, Ismael Monticelli, Joana Traub Csekö, Kleber Lourenço, Lucas Albuquerque, Luis Otávio Oliveira Campos, Manu Neves, Marcio Diegues, Maria Eduarda Kersting Faria, Mariana Lydia Bertoche, Mariana Rocha, Monique das Neves Silva, Napê Rocha, Nathan Braga, Pedro Henrique Borges, Piti Tomé, Ribamar Arruda Ribeiro, Roberta Aleixo
Organização + Capítulo
Editora UERJ, RJ/BR
2021
[e-book]
Texto
O bom deus se esconde nos detalhes.
ou histórias do tempo no filme “Sixty Six”.
Ao experienciar os vídeos de Klahr, evoca-se uma temporalidade singular. Em tela dançam imagens apropriadas de locais que variam entre recortes de histórias em quadrinhos à objetos de peças publicitárias provenientes do acervo pessoal do artista, que luta contra a tentação de guardar os livro-objetos apenas para seu próprio deleite. Em Mercúrio, curta de 1’30” que compõe seu longa “Sixty Six”, filma-se com uma câmera de alta resolução alguns quadros de histórias desenhadas provenientes dos anos 50 e 60, que narram aventuras de super-heróis que florescem após as tragédias de guerra. Entretanto, nos encontramos com inscrições diferentes das usuais. Sobreposições de 2 ou mais ilustrações expostas em totalidade ou em closes preenchem o enquadramento, ameaçando extrapolá-lo a qualquer segundo.
Lá, repousam diversos ícones da cultura pop americana. Entretanto, a matéria nostálgica se esvai. A partir de um olho mecânico que se esforça por um foco quase obsceno, todos os grafismos misturam-se como que em um palimpsesto repleto de histórias inalcançáveis. Ainda que fragmentos do original se revelem, o espectador deve conformar-se com sua inacessibilidade. Nesta operação, Mercúrio, deus da eloquência e inventor dos primeiros caracteres da escritura, nos ameaça à um completo abandono. Enquanto luta para enxergar através de seu véu de Maya, nosso herói é atravessado por camadas de outras imagens e textos. Klahr olha para seus impressos como que dentro de um trem em alta velocidade: pela janela, é possível vislumbrar apenas um vulto vertiginoso, onde captam-se fragmentos e, com eles, constrói-se narrativas quase idílicas sobre o que o passado um dia significou.
Ainda que mergulhadas dentro de um nevoeiro, as páginas expostas no vídeo geram engramas que são identificados pela memória. Os grãos do papel perfuram sutilmente as cores da impressão, que por sua vez não se contém a preencher apenas as formas dos personagens as quais foram designadas. Transbordam. Manchas gráficas superpõem-se duplamente: Entre si e entre as figuras. Camadas de pequenas falhas pululam em frente à tela, provavelmente geradas pelas fricções das páginas ao longo do tempo. O olho mecânico de Klahr – evito usar a linguagem técnica da câmera, pois, ainda que assumindo a questão da máquina, o diretor a humaniza – parece correr em busca desses pequenos espaços onde a memória emana. Mas não se demora muito, pois sabe que o abismo que aponta para o passado recolhe as migalhas que marcam o caminho do retorno. Cabe a Mercúrio nosso resgatar.
O bom deus se esconde nos detalhes.
ou histórias do tempo no filme “Sixty Six”.
Ao experienciar os vídeos de Klahr, evoca-se uma temporalidade singular. Em tela dançam imagens apropriadas de locais que variam entre recortes de histórias em quadrinhos à objetos de peças publicitárias provenientes do acervo pessoal do artista, que luta contra a tentação de guardar os livro-objetos apenas para seu próprio deleite. Em Mercúrio, curta de 1’30” que compõe seu longa “Sixty Six”, filma-se com uma câmera de alta resolução alguns quadros de histórias desenhadas provenientes dos anos 50 e 60, que narram aventuras de super-heróis que florescem após as tragédias de guerra. Entretanto, nos encontramos com inscrições diferentes das usuais. Sobreposições de 2 ou mais ilustrações expostas em totalidade ou em closes preenchem o enquadramento, ameaçando extrapolá-lo a qualquer segundo.
Lá, repousam diversos ícones da cultura pop americana. Entretanto, a matéria nostálgica se esvai. A partir de um olho mecânico que se esforça por um foco quase obsceno, todos os grafismos misturam-se como que em um palimpsesto repleto de histórias inalcançáveis. Ainda que fragmentos do original se revelem, o espectador deve conformar-se com sua inacessibilidade. Nesta operação, Mercúrio, deus da eloquência e inventor dos primeiros caracteres da escritura, nos ameaça à um completo abandono. Enquanto luta para enxergar através de seu véu de Maya, nosso herói é atravessado por camadas de outras imagens e textos. Klahr olha para seus impressos como que dentro de um trem em alta velocidade: pela janela, é possível vislumbrar apenas um vulto vertiginoso, onde captam-se fragmentos e, com eles, constrói-se narrativas quase idílicas sobre o que o passado um dia significou.
Ainda que mergulhadas dentro de um nevoeiro, as páginas expostas no vídeo geram engramas que são identificados pela memória. Os grãos do papel perfuram sutilmente as cores da impressão, que por sua vez não se contém a preencher apenas as formas dos personagens as quais foram designadas. Transbordam. Manchas gráficas superpõem-se duplamente: Entre si e entre as figuras. Camadas de pequenas falhas pululam em frente à tela, provavelmente geradas pelas fricções das páginas ao longo do tempo. O olho mecânico de Klahr – evito usar a linguagem técnica da câmera, pois, ainda que assumindo a questão da máquina, o diretor a humaniza – parece correr em busca desses pequenos espaços onde a memória emana. Mas não se demora muito, pois sabe que o abismo que aponta para o passado recolhe as migalhas que marcam o caminho do retorno. Cabe a Mercúrio nosso resgatar.
O bom deus se esconde nos detalhes.