Érica Magalhães / Sem título, 2018 / concreto, garrafas de cerveja, vergalhão / dimensões variáveis

Os resquícios construtivos de Érica Magalhães




Os resquícios construtivos de Érica Magalhães, ainda que deixem emergir bibelôs antigos ou criem um sítio arquitetônico sublime, demarcam memórias de espaços já inexistentes, cujo rastro não apagado deseja contar histórias de outros tempos. Valendo-se de materiais recorrentes em construções de edifícios, como cimento, vergalhões e pedras, a artista os aproxima de objetos intrinsecamente frágeis, como porcelanas e vidros. Eles atuam no jogo de forças entre matérias brutas e singelas, que, por vezes, parecem alternar suas propriedades em recusa a uma categorização dicotômica simples. O limiar construção/desconstrução, presente na primeira fase da artista, questiona, por conseguinte, a intenção do fazer artístico e seu produto simbólico. Enquanto o gesto por excelência de Érica parte da construção formal, elaborando suas peças a partir da montagem de elementos díspares e não por meio da apropriação de partes de edificações, o resultado evoca um imaginário nos quais a ruína é a protagonista. Um dos bibelôs que integram as obras, ironicamente, é proveniente da cidade alemã de Dresden, bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. Os olhos da boneca não mentem: os escombros que a tomam agora não se distinguem muito do que vira naquele dia. As porcelanas soterradas em concreto desafiam o outro com seus relatos, cujas inscrições em si dão pistas do seu percurso.

Trabalhando com formas e processos que lembram a produção em série, Érica evoca a memória de outros movimentos artísticos, como o Minimalismo americano, cuja pretensão era criar objetos específicos que não remetessem a nenhum sentido externo ao que fosse apreendido na experiência do corpo e do olhar. A artista, no entanto, produz uma dobra nessa tradição, inserindo desenhos pessoais aos cubos de concreto ou, ainda, incorporando à massa artigos dos quais se apropria. Estes carregam consigo memórias e afeições estéticas que permitem ao espectador a possibilidade de tecer suas próprias ficções através dos elementos presentes nas obras. Seus trabalhos não aludem à construção seriada de monumentos arquitetônicos, mas, antes, ao processo erosivo ao qual a formação construtiva é fadada a sucumbir, tanto no campo físico como no simbólico. Há, por fim, um resíduo desejante de antropomorfia na produção mais recente da artista. Suas Bonecas, recordam um corpo humano cuja altura toma de empréstimo a da criadora. Construídas de maneira modular, cujo rearranjo é capaz de formar diferentes combinações e, assim, dar vidas a outras bonecas, elas reproduzem um pensamento arquitetônico construtivo, do qual o todo é formado a partir da composição de partes autossuficientes.





Érica Magalhães / 2018-2020