Whispers from the South
Ayla Tavares, Hal Wildson, Heloisa Hariadne, Joelington Rios, Luísa Brandelli, Noara Quintana, Pedro Neves e Talles Lopes
Instituto Inclusartiz, RJ/BR
Out. - Nov. 2023
Texto Curatorial
A exposição tem como objetivo explorar como os artistas brasileiros contemporâneos repensam a cultura visual através de um exame crítico de sua própria história e confrontam a noção de subalternidade. “Whispers From The South" apresenta um recorte da produção artística brasileira contemporânea, reunindo oito artistas de diferentes regiões do Brasil cujo diálogo em comum desafia a complexidade cultural que molda o país. Movidos pelo desejo de investigação da identidade cultural, os artistas selecionados questionam os retrocessos históricos incrustados na história brasileira por meio da pintura, do desenho, da fotografia, do bordado e da escultura. Seus gestos poéticos dissecam de forma pungente como as reverberações do passado influenciam o presente e iluminam novos desafios na América do Sul.
A prática de Ayla Tavares (Rio de Janeiro) explora a intrincada relação entre a manufatura e as camadas de tempo que ele evoca. Através do uso da argila e do carvão, Tavares investiga artefatos arqueológicos, arquitetura e objetos que manuseamos no dia a dia para pensar a memória e a vida comum. Na sua prática de desenho, cobre toda a tela com padrões que lembram terra e mar, enfatizando a sua ligação arqueológica com a cerâmica, cuja descoberta recorrente em expedições arqueológicas ao longo da história fazem com que a artista aprofunde, assim, a noção da cerâmica como “objeto eterno”.
Interessada nos vestígios da colonização na Amazônia brasileira, Noara Quintana (Florianópolis) se envolve com a influência persistente das artes decorativas europeias que foram amplamente importadas para o Norte do Brasil durante o início do século XIX. Ela reimagina essas contradições através de uma Belle Époque tropical, com o objetivo de desestabilizar um legado colonial através de um retrato afirmativo e diversificado da botânica amazônica. Em sua série “Serpentine Traces”, a artista subverte os papéis de parede e as ferragens popularizadas no movimento arts and crafts com um imaginário tropical, buscando narrativas que questionem as conexões entre a Grã-Bretanha e a Amazônia no final do período vitoriano.
Luisa Brandelli (Porto Alegre) também aprecia a influência do decorativismo em seu trabalho. Porém, sua prática se desenvolve em direção à uma estética mais abstrata. O artista freqüentemente utiliza materiais comuns, como tecido, fios, lantejoulas e miçangas para criar objetos substanciais de forma pictórica. Ao empregar técnicas de costura frequentemente associadas ao “feminino”, Brandelli desafia os papéis tradicionais de gênero na produção artística. Ela explora a dicotomia entre arte e artesanato, e a distinção entre materiais valiosos e ordinários.
O trabalho de Talles Lopes (Goiás) concentra-se nas dinâmicas de subserviência e exploração a partir de uma perspectiva geopolítica. O artista emprega infográficos normalmente usados em levantamentos geográficos como ferramentas para expor a história de exploração do país. Em sua obra intitulada "Linguagem Universal para Rasuras Locais", o artista sobrepõe quatro diferentes mapas produzidos originalmente pelo instituto geográfico e estatístico brasileiro, IBGE, durante o mandato do 21º presidente, Juscelino Kubitschek (1956 - 1961). Este mapa fornece uma janela para as atuais disparidades resultantes de projetos de desenvolvimentismo político e económico que continuam a deixar a sua marca no país até hoje.
Hal Wildson (Goiás), também nascido na região Centro-Oeste do Brasil, defende um movimento de insurgência que reivindica símbolos nacionais, dos quais a extrema direita se apropriou nos últimos anos. Este movimento pretende vislumbrar um projeto de “Re-Utopya”, enfatizando a integração de conhecimentos ancestrais e práticas de cuidado. Em sua última série, o artista utiliza livros consagrados das décadas de 1950 a 1980 que discutem a utopia, a identidade brasileira e o desenvolvimento do país. Com isso, ele reconstrói novas interpretações do passado, visualizando-o como um terreno fértil para moldar um futuro mais inclusivo.
No Nordeste do Brasil, Pedro Neves (Maranhão) realiza uma exploração pictórica onde a abstração e a figuração se misturam num reino simbólico. Nessa esfera, o corpo, os objetos do cotidiano, a vida botânica e as roupas mergulham o espectador na riqueza das práticas culturais afro-brasileiras. A pintura apresentada faz parte de uma série contínua em que o artista pinta os sonhos de sua mãe, onde duas mulheres falam sobre seu filho (o artista). Na obra, Neves se representa ternamente como um vaso de planta, seguindo a imagem onírica descrita por sua mãe.
Da mesma forma, em uma busca íntima por sua ancestralidade, a prática de Heloisa Hariadne é caracterizada por cores vibrantes que convidam o espectador a uma jornada introspectiva cercada por elementos da natureza como a vida botânica e os animais selvagens. Suas obras buscam entrelaçar pintura e poesia, elaborando uma composição que reflete os anseios de uma nova geração no Brasil. Ao fundir diferentes objetos naturais em formas fluidas, Hariadne cria um retrato suave onde a sua contínua investigação interior se torna o terreno por onde ela se move entre o abstrato e o figurativo.
Ao apresentar o corpo humano num contexto politicamente frágil, Joellington Rios, natural de uma comunidade quilombola no Maranhão, utiliza a fotografia para vislumbrar novos enquadramentos para o corpo negro. Isto envolve retratá-lo para além de uma condição punitiva, mostrando sua glória e força. Na série “O que Sustenta o Rio”, indivíduos de comunidades marginalizadas são retratados como a base de todo o estado, representando simultaneamente a imagem central de um cartão postal que transcende o tempo e o espaço.
Ao apresentar esses oito artistas, todos apoiados pela organização sem fins lucrativos Instituto Inclusartiz, “Whispers From The South” discute o passado colonial do Brasil e reimagina o presente, destacando as culturas locais e seus laços com o Sul global. Cada uma destas obras ecoa discussões políticas e estéticas de um país localizado a 9.000 km de distância, sugerindo uma revolução em curso no domínio das artes visuais. Os oito artistas agem, portanto, como sismógrafos do seu tempo, anunciando a turbulência que se avizinha.
Lucas Albuquerque.
A prática de Ayla Tavares (Rio de Janeiro) explora a intrincada relação entre a manufatura e as camadas de tempo que ele evoca. Através do uso da argila e do carvão, Tavares investiga artefatos arqueológicos, arquitetura e objetos que manuseamos no dia a dia para pensar a memória e a vida comum. Na sua prática de desenho, cobre toda a tela com padrões que lembram terra e mar, enfatizando a sua ligação arqueológica com a cerâmica, cuja descoberta recorrente em expedições arqueológicas ao longo da história fazem com que a artista aprofunde, assim, a noção da cerâmica como “objeto eterno”.
Interessada nos vestígios da colonização na Amazônia brasileira, Noara Quintana (Florianópolis) se envolve com a influência persistente das artes decorativas europeias que foram amplamente importadas para o Norte do Brasil durante o início do século XIX. Ela reimagina essas contradições através de uma Belle Époque tropical, com o objetivo de desestabilizar um legado colonial através de um retrato afirmativo e diversificado da botânica amazônica. Em sua série “Serpentine Traces”, a artista subverte os papéis de parede e as ferragens popularizadas no movimento arts and crafts com um imaginário tropical, buscando narrativas que questionem as conexões entre a Grã-Bretanha e a Amazônia no final do período vitoriano.
Luisa Brandelli (Porto Alegre) também aprecia a influência do decorativismo em seu trabalho. Porém, sua prática se desenvolve em direção à uma estética mais abstrata. O artista freqüentemente utiliza materiais comuns, como tecido, fios, lantejoulas e miçangas para criar objetos substanciais de forma pictórica. Ao empregar técnicas de costura frequentemente associadas ao “feminino”, Brandelli desafia os papéis tradicionais de gênero na produção artística. Ela explora a dicotomia entre arte e artesanato, e a distinção entre materiais valiosos e ordinários.
O trabalho de Talles Lopes (Goiás) concentra-se nas dinâmicas de subserviência e exploração a partir de uma perspectiva geopolítica. O artista emprega infográficos normalmente usados em levantamentos geográficos como ferramentas para expor a história de exploração do país. Em sua obra intitulada "Linguagem Universal para Rasuras Locais", o artista sobrepõe quatro diferentes mapas produzidos originalmente pelo instituto geográfico e estatístico brasileiro, IBGE, durante o mandato do 21º presidente, Juscelino Kubitschek (1956 - 1961). Este mapa fornece uma janela para as atuais disparidades resultantes de projetos de desenvolvimentismo político e económico que continuam a deixar a sua marca no país até hoje.
Hal Wildson (Goiás), também nascido na região Centro-Oeste do Brasil, defende um movimento de insurgência que reivindica símbolos nacionais, dos quais a extrema direita se apropriou nos últimos anos. Este movimento pretende vislumbrar um projeto de “Re-Utopya”, enfatizando a integração de conhecimentos ancestrais e práticas de cuidado. Em sua última série, o artista utiliza livros consagrados das décadas de 1950 a 1980 que discutem a utopia, a identidade brasileira e o desenvolvimento do país. Com isso, ele reconstrói novas interpretações do passado, visualizando-o como um terreno fértil para moldar um futuro mais inclusivo.
No Nordeste do Brasil, Pedro Neves (Maranhão) realiza uma exploração pictórica onde a abstração e a figuração se misturam num reino simbólico. Nessa esfera, o corpo, os objetos do cotidiano, a vida botânica e as roupas mergulham o espectador na riqueza das práticas culturais afro-brasileiras. A pintura apresentada faz parte de uma série contínua em que o artista pinta os sonhos de sua mãe, onde duas mulheres falam sobre seu filho (o artista). Na obra, Neves se representa ternamente como um vaso de planta, seguindo a imagem onírica descrita por sua mãe.
Da mesma forma, em uma busca íntima por sua ancestralidade, a prática de Heloisa Hariadne é caracterizada por cores vibrantes que convidam o espectador a uma jornada introspectiva cercada por elementos da natureza como a vida botânica e os animais selvagens. Suas obras buscam entrelaçar pintura e poesia, elaborando uma composição que reflete os anseios de uma nova geração no Brasil. Ao fundir diferentes objetos naturais em formas fluidas, Hariadne cria um retrato suave onde a sua contínua investigação interior se torna o terreno por onde ela se move entre o abstrato e o figurativo.
Ao apresentar o corpo humano num contexto politicamente frágil, Joellington Rios, natural de uma comunidade quilombola no Maranhão, utiliza a fotografia para vislumbrar novos enquadramentos para o corpo negro. Isto envolve retratá-lo para além de uma condição punitiva, mostrando sua glória e força. Na série “O que Sustenta o Rio”, indivíduos de comunidades marginalizadas são retratados como a base de todo o estado, representando simultaneamente a imagem central de um cartão postal que transcende o tempo e o espaço.
Ao apresentar esses oito artistas, todos apoiados pela organização sem fins lucrativos Instituto Inclusartiz, “Whispers From The South” discute o passado colonial do Brasil e reimagina o presente, destacando as culturas locais e seus laços com o Sul global. Cada uma destas obras ecoa discussões políticas e estéticas de um país localizado a 9.000 km de distância, sugerindo uma revolução em curso no domínio das artes visuais. Os oito artistas agem, portanto, como sismógrafos do seu tempo, anunciando a turbulência que se avizinha.
Lucas Albuquerque.